O amor é aquilo que não se pode conter. Talvez essa seja a maior virtude do amor. Talvez seja a sua maior fraqueza. Como conter aquilo que não se pode abraçar? Será que é sonhar demais? Todas essas perguntas passavam pela cabeça de Brian, enquanto ele avançava sem parar, em meio a uma frenética corrida por respostas. Ele sabia que era arriscar muito, mas aquele órgão em cima de sua caixa torácica saltitava inconstantemente, como se o desafiasse a provar que os ponteiros do relógio poderiam estar errados. Perdendo a respiração, chegou em meio à indicação do final do livro e viu com decepção o banco de madeira em frente ao sobrado abandonado. Somente um leve vento soprava em cima do banco carcomido pelos cupins. Devia admitir que aquele lugar era belo em outros tempos pelo modo delicado em que a fibra de madeira estava trabalhada, talhada e polida, ainda que coberta de poeira e fuligem. Deveria se sentir aliviado por não encontrar quem fizera perder o caminho até ali. Mas não estava. Todo o seu juízo tremia por respostas. Estava determinado a encontrar Louise, nem que para isso precisasse passar um longo tempo sentado. Não demorou muito para que uma menina andando passos largos chegasse e sentasse ao seu lado;
-Espero que não se importe com meu amigo aqui-e deu um breve sorriso
-Não, eu já estou acostumado com Mick. Somos iguais em muitas coisas- arriscou
-Bem, você está pronto então?- disse Louise com uma cara séria
Não encontrei nada para responder, somente continuei encarando tentando esconder minha surpresa.
-Pronto para que?- Louise falou o que estava pensando naquele exato momento
-O amor, não é mesmo? Sempre ele-continuou
- Parece que nada pode escapar do amor, nem ele mesmo! Como podemos entender uma virtude que ao mesmo tempo é vício? Os poetas falam de musas inspiradoras, os pintores de inspiração divina, outros mais conservadores chamam de motivo, mas todos em todos os lugares somente dão importância para os sentimentos físicos, você já se perguntou o porquê disso?- e me provocou
- Você falou de parece, que vem do latim pareo que significa aquilo que aparenta ser. Arrisco-me a dizer que o amor é aparente- retruquei de imediato
- Mick, pare de dizer que ele é dos seus!- virou irritada para dizer ao seu lado
- Isso, o amor é como um vício aparente de sua própria personalidade. Lembra-se o que conversamos no primeiro debate? Somos aquilo que os outros moldam de nós. Não existe completude no amor!- disse mastigando palavras para soar dramática
-Ela chama conversas de debates- aquilo simplesmente faíscou minha cabeça
-Os sentimentos físicos são a importância imediata daquilo que consideramos. Sei que você vai dizer que não somos animais e que os desejos tem seu lugar de destaque na evolução. Ah, quem inventou essa história de que tudo o que pertence ao homem é evoluído?- e soltou a respiração
-Mas o amor físico é uma consequência natural do ser humano, todos nós somos movidos por sensações inesperadas. O amor não decorre sempre de sensações químicas que se transformam em físicas!- rebati
-Sei, sei!-disse em tom debochado- Os sentimentos são como fotografias, eles estão lá emoldurados, esperando para serem olhados e ativados, não é?
-Não- interrompi- o amor não é de todo lógico, me recuso a acreditar que somos escravos de emoções. Porque assim elas se tornariam nossos deuses. Só viveríamos por elas e não por nós...mesmos!- não acreditava onde Louise havia me levado
-Seja feliz. Compre esse jeans! Você não está vendo essa oportunidade? Vai perder a chance da sua vida? Você é especial! Ame coisas supérfluas e seja igual a todo mundo quando tudo que você buscava era ser diferente, mas veja só... você já era diferente!- sua voz irônica era imbatível
- Amar é ser egoísta buscando ser diferente mas sendo você mesmo!- soltou em voz baixa ajeitando os óculos.
-Esse é o ponto em que o amor não pode escapar-continuou ela
-Então o verdadeiro amor é egoísta?-provoquei.- Um sentimento venerado decorre de uma coisa que as pessoas não querem ouvir falar?-segui com o ponto
-Sim, para cada chance que temos na vida, fazemos um destino novo: mudamos de casa, de emprego, de família...Mas quantas vezes você já viu alguém mudar de amar? O amor em si, é algo extremamente belo e essencialmente substancial- Louise sussurrou baixo como se aquela fosse a mais profunda das verdades
-Eu preciso que as pessoas entendam- continuou em tom melódico- De todas as mais belas obras de arte, de toda a poesia e das coisas mais simples da vida, existem aquelas que você não consegue destruir, aqueles amores que fazem parte de você- e olhou para o vazio
Depois de algum tempo em que continuávamos refletindo sobre amores roubados, entendemos que a memória daquilo que amamos era essencial para definir quem somos. Talvez eu nunca mais tenha visto aquela menina com armação e lentes grossas que teimava em ter argumentos para qualquer assunto.E não só isso. Mas de convence-lo de que aquilo era verdade. Talvez ela seja aquela mesma pessoa que encontro sentada todos os dias de quinta no banco dessa mesma praça. Ou talvez seja aquela mesma que interrompe pessoas na rua lhes perguntando sobre o amor. Talvez eles estejam ignorando a si mesmos quando dizem que tem pressa e não querem ouvir. Ou simplesmente vivem sem sentir, lembram o que não é para lembrar e falam sem amar. Talvez amar seja mesmo isso
Obs 1: Aprendi muito com Louise e essas memórias, fazendo delas todos os meus dias possíveis
Obs: 2: Mas não aprendi a amar diferente, apenas a adaptar o meu amor
Obs 3: Amor não se pode conter, vivemos apenas querendo apressar os ponteiros
Obs 4: Respostas são a confirmação de que ainda existem perguntas que foram roubadas
Memória X: "O amor e as memórias são rit(m)os constantes, como o mar em relação ao horizonte, não podem ser separados e nem contidos pelo olhar"
Meu caro, as estrelas se alinham para novos presságios e despertares…Digo logo de antemão algo que já deve ser de seu conhecimento: vc escreve muitíssimo bem ;)) Que bela, sublime sua história. Ela me tocou tanto quanto um sino repicando no silêncio e perguntando: por quem eles dobram? Veja, e saiba que o que havemos de construir nessa nossa guerra contra a não-sensibilidade é uma grande muralha que na verdade é um ataque massivo contra as forças opressoras que manipulam o universo ao nosso redor. Vc entende a grandeza do espírito humano, e não o enclausura dentro de nossas limitações históricas…Pois, como Hamlet, ainda que vivêssemos confinados numa casca de noz, seríamos donos de todo o espaço infinito, tamanha nossa mortalidade. Claro, limites temos, e reconhecer isto é a chave para o infinito interior de cada um… Mas, ah!… por mais limitado que seja o amor em nossos tempos de cólera, como ele nos faz infinitos, derramando-nos para todos os lados do finito… Afinal, "o amor é aquilo que não se pode conter", certo?…"Vivemos apenas querendo apressar os ponteiros"… Pois o amor não conhece o tempo. Quedamos, assim, para a clara lição de que tempo não existe e é real, exato da mesma forma que o relativismo dos espaços vazios dos átomos que compõem a realidade. Que deleite é poder "ver" que o mundo é o mesmo mundo e que mesmo completamente diferentes, somos iguais. Habitamos o mesmo plexo e falamos a mesma língua. Será que somos feitos dos mesmos átomos da mesma estrela?… Por fim, só posso lhe confessar uma das minhas mais caras reflexões - "amor é hidrogênio". Hidrogênio, o primeiro elemento, o mais simples, o único símbolo a ser respeitado, certo? Hidrogênio, combustível das estrelas, o elemento mais abundante no universo, altamente inflamável, queima, queima, e queima... Hidrogênio é amor. Bom dia, Marcelo, ainda que seja sempre noite no universo. Como fazer luz? Muito simples.. FAÇA-SE A LUZ, nós dizemos. E a luz se faz. (Lembra da Última pergunta?). Um grande abraço!
ResponderExcluirThayna ;))
Suas reflexões a respeito do amor comparando ele com o hidrogênio são muito legais! A percepção de que todos vivemos sob um mesmo universo e de que cada um de nós compõe a realidade do outro é também o que nos faz pensar que a nossa finitude talvez não seja tão pequena assim, somos tão pequenos e tão complexos, realmente. Esses espaços vazios que existem nos átomos e nos seres humanos são essas "perguntas que não podem ser contidas" e que ainda queremos submeter à nossa realidade, para que aí sim se transformem em algo substancial de alguma maneira (que possua sentido). Obrigado pela leitura, abraço! =)
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