terça-feira, 29 de julho de 2014

terça-feira, 15 de julho de 2014

Memórias de Meus Amores Roubados II






De todas as vezes que sentei em frente à senhorita Camm, não pude deixar de perceber o quão curiosa era aquela combinação de características tão marcantes que fazem com que você seja atraído por uma pessoa logo na primeira conversa. Sim, eu não sou normalmente o tipo de cara que senta e gosta de conversar com as pessoas. Analiso todas as pessoas ao redor buscando nelas alguma que não seja a simples futilidade disfarçada de arrogância ou o cinismo sempre habitual da tristeza.Com esse tipo de pessoa a conversa flui de maneira tão natural que você sequer se lembra de como começou. Mas, sinceramente, tenho que admitir que eu ainda me lembro de uma frase que ficou gravada em minha memória e que fez com que eu retirasse o olhar do livro que lia para procurar de onde aquilo vinha.

"Amor é aquele sentimento que te faz não abandonar a tristeza"-Memória número 2

                    Meus olhos ansiavam pela voz que havia proferido a frase com tamanha convicção, deslizavam de um lado a outro, ao redor das mesas da cafeteria e pararam do lado de fora da rua, perto das mesas que desbocavam em um canto do beco escuro com escadarias de pedra e cadeiras de madeira pura, havendo assim, um contraste entre uma cafeteria moderna e o lado de fora antigo, quase como inacabado. Para a minha surpresa, assim que saí observo uma mulher falando sozinha em um canto mais afastado, de frente à uma cadeira vazia,como se estivesse conversando com mais alguém
                        -Com Licença, senhorita- me aproximei um tanto quanto curioso
                        -Pois, não?- disse em um tom surpreso e delicado
                        -Não pude deixar de ouvir a conversa de vocês e sua frase sobre a tristeza do amor...O que eu me pergunto é se haveria alguém nesse mundo que suportaria a tristeza e que ao seu ver buscaria ela?!-disse-lhe
                    -Justamente o meu ponto!-observou Mick- Acho que esse sujeito é sensato-e deu um leve sorriso
                   -Não-sorriu debochando para o lado e se virou contra o debatedor-eu não disse que buscamos alguma coisa ruim-retrucou enquanto ajeitava a armação de seus óculos
                        -O mundo em que vivemos é feito de comparações-afirmou com a mesma certeza de antes-Então, para que possamos dar valor ao amor, por exemplo, temos que perceber e comparar com as vezes que sentimos tristeza, que pensamos que nada iria dar certo, para então dar valor a esses momentos!
                       -Mas se tudo o que você afirmou é verdade, então o amor perfeito e integral não existe, pois tudo não passaria de momentos-afirmei
                        -Desculpe, senhor...-Qual é o seu nome, mesmo?-Brian-respondi com uma voz seca
                        -Então senhor Brian, mas não é isso que a vida é?-saiu com uma voz calma
                     -Não é pelo mesmo motivo que guardamos fotografias e as colocamos na mesa de estar?Para nos lembrar que éramos felizes?-ela parecia ter argumentos para tudo.
                        De imediato, puxei a cadeira da mesa vazia ao lado para me sentar perto. Notei de relance que algumas pessoas olharam com aquele olhar de julgamento, certamente pensando que a confraria de doidos somente aumentava, não me importei com isso, dentro de alguns minutos estávamos conversando: eu, ela e o Mick, seu amigo imaginário.
                        -Aqui está seu café, senhorita-aproximou-se com classe o garçom
                        -Obrigada, Ricchardo-deu um pequeno sorriso-Está como eu pedi?-pergunta
                        -Sim, senhora. Com bastante creme e um pouco de canela-disse se afastando
                        -Porque a canela?-perguntei, afinal como alguém gostava daquilo!?
                        -Para me lembrar que nada é tão legal assim. E também porque eu não gosto de canela.
                        Tentava entender aquilo, como uma pessoa bebe aquilo que não gosta?
                        -Tem a ver com o que falávamos sobre o amor-responde em seco
                        -O amor é um sentimento complexo, sabe?- disse com um olhar distante
                        -Amar é conviver com a tristeza-simplificou- Sempre aquela pessoa não vai corresponder a todos os seus desejos, não por querer é claro, porque amar é aceitar, é ser livre para conviver com os erros.
                        Olhei para os lados e a casa já estava quase fechando, afinal, as melhores conversas sempre tem um que de saudade e teimam em acabar rápido. Já quase chegava a madrugada. A senhorita Camm se despedia de seu antigo amigo e de mim. Aliás, devo admitir que tinha que fazer mais uma pergunta, aquilo que martelava em minha cabeça e tinha que sair, perguntas devem ser compartilhadas...
                       -E o amor, o dia em que soubermos de tudo sobre ele, a solidão não acabaria?-dei uma leve pausa, soando de maneira um pouco dramática.
                        Louise, já de costas para Brian, se apressa em tirar um objeto do seu bolso, um fino relógio de ouro. O ponteiro dos segundos saltita em cima do número 12, mas parece não querer sair de lá, e volta e vai, causando sempre a insistência de não parecer quebrado. É somente então que ela percebe uma fina chuva que lhe arrepia a pele e lhe causa um tremor repentino. No momento em que se vira, não há mais ninguém: a não ser ela, uma rua deserta, a chuva e um relógio quebrado. E olhando o ponteiro ela parece querer responder com certa angústia.
                       -Não. -e concordou com sua própria alma-A solidão e o amor nunca conseguem se separar.
CONTINUA...